A maior lição que Jesus nos ensinou foi a de “amar o inimigo” (cf. Mt 5,44). O mundo ensina que é preciso revidar, “não levar desaforo para casa”, ir ao revanche, etc. Jesus, por outro lado, ensina a mansidão; isto é, “não pagar o mal com o mal”, mas com o bem. O segredo cristão para destruir a força do inimigo, não é a vingança, mas o perdão. Jesus ensina que aí está um dos pontos da perfeição cristã. Ele quer que sejamos “perfeitos como o Pai celeste é perfeito” que manda a chuva e o sol para os bons e para os maus. (Mt 5,48). Ele morreu na cruz dolorosamente, dando o maior exemplo do que é perdoar. “Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem”. (Lc 23,31)
Jesus explica a razão desta exigência tão difícil: “Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim os próprios publicamos? Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem isto também os pagãos?” (Mt 5,46-47).
Perdoar aquele que o ofendeu é uma “prova de fogo” para verificar se de fato você é cristão. É claro que não é fácil perdoar aquela pessoa que te magoou, aquele “amigo” que te traiu, aquele assassino do teu filho, ou aquela mulher que seduziu o teu marido. Se fosse fácil não teríamos mérito algum. E é preciso dizer que, por nossas próprias forças, não conseguiremos perdoar. É preciso a “força do alto” para vencer a fraqueza da nossa natureza ferida e que clama por vingança. Santo Agostinho ensina-nos que “o que é impossível à natureza, é possível à graça”.
A única exigência que Deus nos impõe para perdoar os nossos pecados, quaisquer que sejam, é que estejamos dispostos a perdoar a todos os que nos ofenderam. “Porque se perdoardes aos homens as suas ofensas, vosso Pai celeste também vos perdoará. Mas, se não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai vos perdoará (Mt 6,14-15). E no Pai Nosso, Jesus acrescenta: “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos ofenderam”. (Mt 6,12)
O ódio e o desejo de vingança são armas do demônio para destruir a boa convivência dos filhos de Deus; por isso São Paulo ensina: “Não deis ocasião ao demônio; não se ponha o sol sob a vossa ira” (Ef 4, 26).
Como amar os inimigos e orar por quem nos persegue?
Os dois textos do Evangelho que falam mais claramente do amor aos inimigos se encontram em Mateus e em Lucas. O evangelho de Mateus é dirigido para uma comunidade judaico-cristã: e, por isso, faz referências explícitas à antiga Lei de Moisés, mostrando a novidade da lei cristã. Então, nesse texto, Jesus começa dizendo: “Vós sabeis que foi dito: ‘Amarás teu próximo e odiarás teu inimigo’” (Mateus 5,43). Logo depois, aparece a exigência da Nova Lei do cristão: “Mas eu vos digo: Amai vossos inimigos e rezai pelos que vos perseguem”.
Em Lucas, que escreve para comunidades de origem pagã, não aparece a referência à antiga lei de Moisés, mas se encontram claramente as palavras de Jesus sobre o amor aos inimigos. Podemos acrescentar um dado interessante neste evangelista, que mais ressalta a atitude de misericórdia de Jesus. Ele nos se limita a pedir o amor aos inimigos, mas, na cruz, Ele nos dá o exemplo, perdoando aqueles que estão crucificando-O, com estas palavras: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lucas 23,34).
Nesses textos, podemos perceber que o primeiro pedido de Jesus não se refere nem à oração nem à ação dos cristãos. Jesus quer de nós, antes de tudo, um coração novo, uma reforma interior. Essa predisposição é o amor. E o
amor é indicado em toda a sua extensão: “Amai vossos inimigos”. Isso significa que o amor verdadeiro não tem limites. A sua luz deve aparecer em todos os cantos e o seu ardor deve esquentar tudo. E essa predisposição é sincera só se levar para a ação: “Fazei o bem aos que vos odeiam” (Lucas 6,27). Não se responde ao ódio com o ódio. O ódio vai ser vencido pelo amor. O bem tem de ser mais forte do que o mal.
Desejar o bem aos inimigos
Essa predisposição só é verdadeira quando se deseja o bem também ao inimigo: “Bendizei os que vos maldizem”. O amor verdadeiro não coloca o destino dos homens maus em mãos duras, mas nas boas mãos de Deus. Por que não pensar, neste momento, no martírio de Santo Estêvão? Ele morreu rezando pelos seus assassinos. E lá estava presente um perseguidor dos cristãos: o futuro apóstolo Paulo. A “bênção” de Deus implorada pelo mártir Estêvão, tornou-se “graça” para Paulo.
“Rezai pelos que vos caluniam” (Lc 6,28): dessa maneira, o homem se torna interiormente livre colocando em Deus toda dificuldade pela qual ele passa. Agora, como vai agir aquele que ama os inimigos? O evangelho indica uma atitude positiva e uma atitude negativa. Do ponto de vista positivo, quem ama está disposto a suportar: “A quem
te bater numa face, apresenta-lhe também a outra. A quem tirar o manto, não o impeças de levar também a túnica” (Lc 6,29). Assim, o cristão responde numa maneira totalmente diferente de como comumente acontece.
Do ponto de vista negativo, o cristão não procura o interesse. Não faz o bem com a intenção de ser igualmente retribuído: “Se amais os que vos amam, que merecimento tereis? Também os pecadores amam os que os amam” (Lc
6,32). Mas qual é a motivação para se comportar assim? A motivação é somente Deus: “Sereis filhos do Altíssimo, porque Ele é bom para com os ingratos e para com os maus” (Lc 6,35). E Mateus traz um exemplo desta atitude de bondade de Deus para com todos: “Vosso Pai celeste faz nascer o sol para os maus e para os bons; e faz cair a chuva sobre os justos e os injustos” (Mt 5,45). Nesse sentido, Deus aparece como motor da nossa vida. Quem nasceu de Deus possui em si a vida de Deus, com aquela riqueza que só provém d’Ele.
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Concluo com mais um paralelo entre o evangelista Mateus e o evangelista Lucas: Mateus termina com estas palavras de Jesus: “Sede, portanto, perfeitos, como vosso Pai Celeste” (Mt 5,48). Mas o que significa “ser perfeito”? Podemos encontrar a resposta no texto de Lucas: “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36). Quem quiser ser perfeito deve tornar-se misericordioso.
Fonte: https://blog.cancaonova.com/felipeaquino/2012/06/05/o-pecado-da-ira/