É pecado matar em legitima defesa? Posso ter armas? O que diz a Igreja e a Bíblia?


Veja o que o texto bíblico diz: “Se um ladrão for achado arrombando uma casa e, sendo ferido, morrer, quem o feriu não será culpado do sangue” (Êxodo 22,2).

Muitos cristãos ficam em dúvida se matar em legítima defesa é pecado ou não. O que acontece é que a Palavra de Deus, de forma geral, sempre irá defender a dignidade da vida. Inclusive, um dos Dez Mandamentos diz justamente: “Não matarás” (Êxodo 20,13). Então com base no princípio bíblico da preservação da vida, muitas pessoas têm dificuldade em entender como tratar a questão da legítima defesa.

Mas a Bíblia não diz que matar em legítima defesa é pecado. O quinto mandamento que diz “não matarás” se refere diretamente ao assassinato, e não a qualquer tipo de morte. A expressão hebraica utilizada pelo escritor bíblico ao registrar esse mandamento implica na ideia de um assassinato intencional e qualificado, movido por ambições pessoais, ódio, vingança, motivos banais etc.

 

 

Aqui também é interessante saber que a Lei Mosaica até classificava os diferentes tipos de homicídio. O objetivo era identificar corretamente sua motivação e característica; descobrir se a morte foi intencional ou não; e determinar a penalidade adequada que deveria ser aplicada ao assassino. Então se ficasse provado que uma pessoa matou intencionalmente, o criminoso era condenado à pena de morte. Caso ficasse provado que o assassinato não foi intencional, a pessoa era absolvida.

Mas aqui alguém poderia argumentar que, em certo aspecto, matar em legítima defesa é sempre intencional. A pessoa que mata em legítima defesa geralmente não mata sem querer, mas mata intencionalmente para se defender ou defender outras pessoas inocentes que estão sob a ameaça do agressor. Mas de acordo com o texto bíblico, essa argumentação não serve como uma proibição da legítima defesa.

A resposta curta é: sim, a autodefesa é justa.

Os Doutores da Igreja e o Magistério deixam claro que a autodefesa legítima não é apenas um direito, mas, em certos casos, é também um dever. O Catecismo explica com exatidão em quais casos a autodefesa é legítima. Vamos dar uma olhada no que ele diz.

Primeiro, o Catecismo esclarece que matar um ser humano é sempre grave e jamais pode ser encarado como coisa trivial. É evidente que não devemos agir como cães de guarda ferozes e felizes por matar qualquer um que nos olhe torto (2261-2262). Mas o Catecismo prossegue a explicação dizendo que o princípio fundamental da moralidade é o amor e a preservação de si mesmo (2264).

 

“O amor para consigo próprio é um princípio fundamental da moralidade. É legítimo zelar pelo respeito ao próprio direito à vida”.

Autopreservação

Dito em outras palavras, amar o próximo não significa nada quando não se ama a si mesmo de modo ordenado pela razão. Não à toa, Jesus disse: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. O instinto de autopreservação vem do fato de que a vida é um bem recebido de Deus. Temos o direito intrínseco e fundamental de viver e, portanto, o direito de nos defender.

E quanto a defender os outros? Também temos o direito? Sem dúvida. Mais do que um direito, defender o inocente é um dever. Nós podemos dar a própria vida por um bem maior, como Jesus e os mártires da Igreja fizeram, mas não temos o direito de entregar a vida dos outros. O Catecismo deixa claro (2265):

“A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas um grave dever para o responsável pela vida de outrem. A defesa do bem comum exige que um injusto agressor seja impedido de causar danos. Por esta razão, aqueles que legitimamente detêm autoridade também têm o direito de usar de armas para repelir os agressores da comunidade civil confiada à sua responsabilidade”.

Embora este número se refira especificamente à defesa da comunidade civil, ele se aplica também à família. Se alguém apresenta um claro perigo para a vida da sua esposa e dos seus filhos, você tem o direito e o dever de fazer o necessário para impedi-lo, mesmo que isto signifique matá-lo. E isso me leva ao meu próximo ponto.

O que a Bíblia diz sobre matar em legítima defesa?

 

 

No mesmo contexto em que a Bíblia traz o mandamento “não matarás”, ela também diz que matar em legítima defesa pode ser justificável. Veja o que o texto bíblico diz: “Se um ladrão for achado arrombando uma casa e, sendo ferido, morrer, quem o feriu não será culpado do sangue” (Êxodo 22,2).

Como fica claro, a situação descrita no texto bíblico é um episódio em que um criminoso invade a residência de um pai de família à noite. Então o dono da casa acaba matando o criminoso. Nesse caso, de acordo com o texto bíblico, a reação do dono da casa acaba sendo considerada legítima defesa e ele não se torna culpado de assassinato. Entenda também o que a Bíblia fala sobre homicídio.

Nem sempre matar é legítima defesa

 

 

Mas aqui é importante saber que a Bíblia não autoriza matar em legítima defesa em qualquer situação. Na verdade matar em legítima defesa deve ser o último recurso necessário. Tanto é que o mesmo texto bíblico continua dizendo: “Se, porém, já havia sol quando tal se deu, que o feriu será culpado do sangue” (Êxodo 22,3).

A iluminação noturna nos tempos antigos era muito precária. Então era quase impossível um pai de família identificar durante a noite se um ladrão constituía uma ameaça real de morte à sua vida e à vida de sua família. Mas se o crime ocorresse durante o dia, a situação poderia ser diferente.

Durante o dia o dono da casa podia reconhecer o criminoso. Ele podia avaliar claramente a situação e constatar se o ladrão lhe era uma ameaça real de morte ou não. Caso não fosse, matar em legítima defesa era injustificável. Isso porque, nesse caso, deixava de ser legítima defesa e passava a ser um tipo de justiça com as próprias mãos; o que era terminantemente proibido. Numa situação assim, o ladrão devia ser capturado e entregue às autoridades para sofrer a penalidade da lei (Êxodo 22,3,4).

Portanto, biblicamente podemos concluir dizendo que apesar da gravidade da situação, matar em legítima defesa não é pecado diante de Deus, desde que seja uma situação realmente extrema. Nesse caso, aquele que mata em legítima defesa, antes de tudo, protege a dignidade de sua própria vida e da vida de seus familiares, os quais a Bíblia fala que o cristão tem o dever de cuidar e proteger (cf. 1 Timóteo 5,8).

Sou obrigado à legítima defesa?

 

 

Ninguém tem o dever de se defender e de tirar a vida de um agressor, porém, existem duas situações excepcionais e específicas em que a pessoa tem o dever de defender-se e de preservar a própria vida.

O programa Resposta Católica já tratou sobre a legítima e proporcionada defesa da sociedade em seu episódio 128. Sobre a legítima e proporcionada defesa da pessoa no episodio 165, tomando como exemplo o caso de um policial que tira a vida de um agressor. Resta ainda responder se uma pessoa que tem o direito à legítima e proporcionada defesa tem também o dever de se defender.

A resposta direta é não. Ninguém tem o dever de se defender e de tirar a vida de um agressor. Existem duas situações excepcionais e específicas em que a pessoa tem o dever de defender-se e de preservar a própria vida.

A primeira é no caso de a pessoa agredida estar em pecado mortal e, sabendo que se morrer naquele momento, possível e provavelmente perderá a sua vida eterna e irá para o inferno, nesse caso, ela tem o dever de preservar a sua vida biológica e ter possibilidade de emenda e de conversão para salvar-se. A segunda possibilidade em que a pessoa tem o dever de defender-se de um agressor, tirando a vida desse, se necessário, é a de que muitas vidas ou o bem comum dependam dela. Por exemplo, uma pessoa que presta serviço para a comunidade e sabe que a vida de muitos depende da sua própria ou de um pai de família que sabe que a subsistência da mulher e dos filhos depende dele. Nesse caso, existe o dever de tentar salvar a própria vida.

 

 

Fora essas duas situações excepcionais permanece o princípio geral de que não existe o dever da legítima e proporcionada defesa. Ora, se não existe a obrigação da legítima defesa é possível que, numa atitude heroica e divina, a pessoa agredida, sabendo que a morte do seu agressor o levará para o inferno, resolva de maneira extremamente virtuosa, imitando Cristo na cruz, não se defender.

Trata-se, porém, de um ato heroico a quem ninguém está obrigado a imitar. O que se tem é um direito que pode ou não ser exercido.

 

Fonte: https://padrepauloricardo.org/episodios/sou-obrigado-a-legitima-defesa