Por que não mortificar o corpo pode colocar a própria alma em risco?


Em Romanos 12,1-21, o apóstolo Paulo, na carta aos Romanos, enfatiza a fraqueza da carne e instrui o povo a uma vida de santificação, controlando o corpo. A santificação do corpo significa que deve ser conservado irrepreensível até à vinda de Jesus. Deus nos concedeu as alegrias deste mundo, não só para que delas gozemos, mas também para que tenhamos ocasião de lhe oferecer um sacrifício, privando-nos delas por seu amor. É o que nos ensinam sobretudo os santos, com as penitências que faziam.

A mortificação externa consiste em se fazer e sofrer o que contraria os sentidos exteriores e em se privar daquilo que os lisonjeia. Enquanto ela é necessária para evitar o pecado, é de obrigação absoluta para cada cristão. Tratando-se de coisas que licitamente se podem desfrutar, a mortificação não é obrigatória, mas é muito útil e meritória. Contudo, deve-se aqui notar que, para aqueles que tendem à perfeição, a mortificação nas coisas lícitas é absolutamente necessária.

Como pobres filhos de Adão, devemos combater até à nossa morte, pois “a carne tem desejos contra o espírito, e o espírito tem desejos contra a carne” (Gl 5, 17). É próprio dos animais seguir os seus sentidos, enquanto que aos anjos compete cumprir com a vontade de Deus. Disso conclui um ilustre escritor que nos tornamos anjos ao nos esforçarmos por cumprir a vontade de Deus, e irracionais ao procurarmos a satisfação dos nossos sentidos. Ou a alma subjuga o corpo, ou o corpo escraviza a alma.

Em vista disso, devemos tratar o nosso corpo como um cavaleiro trata um cavalo bravo, puxando-lhe fortemente a rédea para que não o derrube; ou como o médico que, estando a tratar de um doente, prescreve remédios que lhe são desagradáveis e proíbe-lhe comidas e bebidas nocivas, que ele apetece. Sem dúvida alguma, seria cruel um médico que autorizasse o doente a deixar os remédios prescritos, por serem amargos, e tomar outros, nocivos, por lhe agradarem.

 

 

Quanto maior não é, pois, a crueldade de um homem sensual, que quer poupar a seu corpo todos os desgostos nesta vida, e expor assim sua alma e seu corpo ao perigo de ter que sofrer penas imensamente maiores por toda a eternidade!

“Esse falso amor — diz São Bernardo (Apol. ad Guil., c. 8) — destrói o verdadeiro amor que devemos ter para com o nosso corpo; uma tal compaixão com o corpo é uma grande crueldade, porque, poupando-se o corpo, mata-se a alma”. O mesmo santo dirige aos mundanos, que zombam dos servos de Deus por mortificarem sua carne, as seguintes palavras: “Somos em verdade cruéis para com o nosso corpo, afligindo-o com penitências; porém vós sois mais cruéis contra o vosso, satisfazendo a seus apetites nesta vida, pois assim o condenais juntamente com vossa alma a padecer infinitamente mais na eternidade”.

Se queremos, portanto, agradar a Deus e alcançar a salvação, devemos corrigir nosso falso gosto: devemos achar satisfação naquilo que a carne detesta e desprezar aquilo que ela apetece. Isso significou Nosso Senhor a São Francisco de Assis, dizendo-lhe: “Se me desejas ter junto de ti, deves aceitar como amargo o que é doce e como doce o que é amargo”. Não venhas com a objeção que alguns costumam fazer, dizendo que a perfeição não consiste na mortificação do corpo, mas na mortificação da vontade. A isso responde o Pe. Pinamonti: “Se uma videira não dá fruto por estar protegida com uma cerca de espinhos, contudo a cerca conserva os frutos”; pois “onde não há cerca, será roubada a fazenda”, diz o Sábio (Eclo 36, 27).

São Luís Gonzaga era de saúde muito melindrosa. Apesar disso, era tão assíduo em crucificar seu corpo, que não buscava outra coisa senão mortificações e penitências. Como lhe dissessem uma vez que a santidade não consiste nessas coisas mas na abnegação de sua vontade própria, respondeu mui sabiamente com as palavras do Evangelho: “Deveis fazer isso e não deixar aquilo” (Mt 23, 23). Com isso queria dizer que, ainda que seja necessário mortificar sua vontade, não se deve deixar de mortificar o corpo, para refreá-lo e submetê-lo à razão. Dizia o Apóstolo: “Castigo o meu corpo e o reduzo à servidão” (1Cor 9, 27). Sem a mortificação do corpo, é difícil submetê-lo à lei de Deus.

 

 

O mundo e o demônio são, em verdade, grandes inimigos de nossa salvação; contudo, o maior de todos é o nosso corpo, porque ele mora conosco. “O inimigo que mais nos prejudica é aquele que mora conosco em casa”, diz São Bernardo (Med., c. 13). Os mais perigosos inimigos de uma fortaleza sitiada são aqueles que se acham no seu interior, pois é muito mais difícil se defender contra estes que contra os que estão fora.

Como os mundanos só cuidam em lisonjear seu corpo com prazeres sensuais, as almas que amam a Deus só procuram mortificar sua carne tanto quanto possível. São Pedro de Alcântara assim fala a seu corpo: “Fica certo que nesta vida não te deixarei descansar; só tribulações serão tua partilha. Quando estivermos no céu, gozarás de uma paz que não terá mais fim”. Nesse mesmo espírito procedia Santa Maria Madalena de Pazzi, que, pouco antes de sua morte, podia afirmar que não se lembrava de ter jamais encontrado alegria fora de Deus.

Leiamos a biografia dos santos, consideremos suas penitências e envergonhemo-nos de ser tão medrosos e comedidos na mortificação de nossa carne.

“Mas eu tenho uma saúde muito fraca — me dirás —, e meu confessor me proibiu todas as penitências”. Pois bem, em tal caso deves obedecer. Mas ao menos aceita resignadamente todos os incômodos que teu estado corporal te ocasionar. Suporta alegremente todas as penas que a mudança de frio e calor traz consigo. Se não podes mortificar teu corpo com penitências, ao menos renuncia de vez em quando a um prazer lícito. Quando São Francisco de Borja se achava na caça, fechava os olhos no momento em que o falcão se apoderava de sua presa, para se privar do prazer que essa vista lhe causava. São Luís Gonzaga também evitava olhar para as representações a que devia às vezes assistir.

Por que não poderás também tu, alma cristã, praticar semelhantes mortificações? Se negares a teu corpo satisfações lícitas, ele não ousará reclamar outras ilícitas. Se, porém, te entregares a todos os prazeres lícitos, te procurarás dentro em breve deleitações ilícitas.

Um grande servo de Deus, o Pe. Vicente Caraffa, da Companhia de Jesus, diz que Deus nos concedeu as alegrias deste mundo, não só para que delas gozemos, mas também para que tenhamos ocasião de lhe oferecer um sacrifício, privando-nos delas por seu amor.

 

 

É verdade que algumas inocentes alegrias são muito próprias para auxiliar a nossa fraqueza humana e nos dispor para os exercícios espirituais. Contudo, deves estar persuadido que os prazeres dos sentidos por si são venenos para a alma, porque eles a prendem às criaturas; por isso, deve-se gozar desses prazeres como se costuma fazer quando se toma veneno. As plantas venenosas, quando devidamente misturadas e tomadas em pequena quantidade, são às vezes úteis à saúde do corpo; mas são sempre e permanecem veneno. É o que se dá com os prazeres.

Por essa razão, só com grande precaução e moderação é que se pode gozar deles sem apego, e só por necessidade, com a única intenção de se poder servir melhor a Deus.

Além disso, devemos tomar cuidado para que, com o esforço de preservarmos o nosso corpo de doenças, não deixemos desfalecer a nossa alma, que está sempre doente, não se mortificando a carne. “As doenças do corpo me causam compaixão — diz São Bernardo (Ep. 315) —, mas maior compaixão me causam as doenças da alma, que são mais perigosas e mais temíveis”.

Oh! quantas vezes um mal-estar do corpo não nos serve de pretexto para nos concedermos certas liberdades de que não temos nenhuma necessidade! Santa Teresa diz: “Um dia deixamos a oração porque sentimos dor de cabeça; no outro dia, porque tivemos [aquela dor]; e no terceiro dia, para que não nos volte a dor de cabeça” (Cam. de Perf., c. 10).

 

 

Por que a mortificação é considerada a guarda da castidade?

No texto “Conheça os graus e as espécies da castidade conjugal e a continência”, tive a oportunidade de explicar um meio de aquisição da virtude infusa da castidade, que nos socorre em pouquíssimo tempo.

Deus sempre vem em nossa ajuda com a Sua Graça, desde que voltemos a Ele de coração sincero e com a vida nos sacramentos em dia. Nesse caso, especialmente a confissão e a Eucaristia.

Existe, porém, uma pequena parcela de esforço nosso para que seja conquistado também o bom hábito da castidade. Lembre-se de que sempre tratamos das virtudes naturais e sobrenaturais. As naturais são hábitos conquistados pelo treino; as sobrenaturais dependem de Deus e de Sua ajuda para nos fazer caminhar mais perfeitamente nas virtudes.

Castidade

Falando, então, mais um pouco sobre a castidade, hoje vamos tratar de coisas que podemos fazer pelo nosso esforço. Trata-se de ações que podemos ter, para mais do que uma conquista moral, mas especialmente por amor para com Deus, do qual não queremos nos afastar.

Ajuda para a aquisição da castidade, a mortificação de prazeres sensíveis nos torna mais robustos e de decisão mais firme, quando submetemos as nossas vontades à razão ou o corpo à alma.

Mortificaremos os sentidos externos, os sentidos internos e as afeições do coração.

O corpo precisa ser disciplinado para conservar-se sujeito à alma. É desse princípio que se deriva a necessidade da sobriedade, e, às vezes, do jejum ou de algumas práticas exteriores de penitência.

 

 

O que os sentidos dizem?

Combatamos a preguiça e a moleza. Não se prolongue o sono em demasia. Em geral, ninguém deve ficar na cama pela manhã, depois de acordado, se não é possível tornar a adormecer.

No corpo, cada um dos sentidos deve ser mortificado.

No olhar, nunca deixar que fique a vaguear por sobre pessoas que lhes venham fazer cair em tentação. O olhar excita a imaginação e acende o apetite; o apetite solicita a vontade, e, se esta consente, entra o pecado na alma.

língua e o ouvido mortificam-se pela reserva nas conversas. Mostra, efetivamente, a experiência que muitas almas puras foram pervertidas pela curiosidade excitada por conversas imprudentes.

O tato é muito particularmente perigoso. A um sacerdote que perguntava se era conveniente tomar o pulso a uma mulher doente. São Vicente de Paulo respondeu: “É necessário evitar isso absolutamente: o espírito maligno bem se pode servir desse pretexto para tentar o são e a doente. O diabo, nesse momento, lança mão de todos os meios para apanhar uma alma. Nunca vos atrevais a tocar nem donzela nem mulher, seja qual for o pretexto.”

Os sentidos internos não são menos perigosos que os externos, e, ainda quando baixamos os olhos, as lembranças importunas e as imagens obsessoras não cessam de nos perseguir. É preciso fugir de todo e qualquer romance e novelas que contam, com detalhes, os movimentos do amor. A castidade perde-se não somente pelos atos externos, mas também pelos internos.

O poder da imaginação

Os santos nos exortam a mortificar as imaginações e devaneios inúteis. Esses são sempre acompanhados de imagens sensuais e perigosas. Não devemos dar absolutamente margem a nenhuma das duas. E isso é particularmente necessário ao sacerdote, que, em virtude da sua mesma profissão, recebe confidências sobre matérias delicadas. É certo que tem graça de estado, para não se deleitar nessas coisas, contanto que, ao sair do confessionário, não se ponha voluntariamente a recordar o que ouviu; aliás, verá a sua virtude sujeita a uma rude prova, e Deus não se obrigou a socorrer os imprudentes que vão buscar perigo.

O coração não necessita menos de mortificação que a imaginação. Apegamo-nos, inconscientemente, às pessoas que fazemos bem; estas, por seu lado, sentem-se levadas a exprimir-nos sua gratidão. Daí, afeições mútuas, sobrenaturais ao princípio, mas que, se não há cautela, facilmente se degeneram em naturais, sensíveis, absorventes. Amamo-las pelas consolações que encontramos nas relações com ela.

Para evitar tal desgraça, é preciso examinar, de tempos em tempos, se não reconhecemos em nós alguns dos sinais característicos de uma amizade excessivamente natural e sensível. Lembrança constante, conversas desnecessárias, muitas das vezes longe das vistas alheias, falar muito de si e menos de Deus, rezar muito um pelo outro, muitos elogios mútuos, queixar-se dos superiores, trocar confidências, ter tristeza em sua ausência, dar sempre um jeito para estar próximo.

Ninguém se sinta muito à vontade com a piedade de pessoas assim amadas, porque, quanto mais santas, mais atraentes são. É preciso manter distância respeitosa dessas pessoas.

Uma das mortificações mais úteis é fugir da ociosidade, aplicando-se com ardor aos estudos eclesiásticos e ao cumprimento fiel dos deveres de estado. Trata-se dos deveres próprios daqueles que se casam (cuidar da casa e da família), ou dos que se consagram (a oração, o estudo e o apostolado). Por esse meio, afastam-se os perigos da ociosidade. Se há um demônio para tentar alguém ocupado, há cem para tentar uma pessoa ociosa. Quando nos absorvemos nos estudos ou nos trabalhos próprios dos deveres de estado, enche-se o coração de bons pensamentos. Pensamos todo o tempo em santidade e nas almas que precisam de salvação. O estudo e as obras de zelo chamam por nós, e depressa nos arrancamos aos devaneios, para nos ocuparmos das realidades que absorvem melhor a nossa vida.

Conteúdo baseado no livro COMPÊNDIO DE TEOLOGIA ASCÉTICA E MÍSTICA – Autor Adolf Tanquerey

Fonte: https://formacao.cancaonova.com/series/virtudes-morais-cardeais/por-que-a-mortificacao-e-considerada-a-guarda-da-castidade/

https://padrepauloricardo.org/blog/quem-nao-mortifica-o-corpo-poe-em-risco-a-propria-alma