Jesus disse: “Estes são os sinais que acompanharão os que creem: em meu nome expulsarão demônios, falarão línguas novas…” (Mc 16, 17).
Com relação ao dom de línguas, é preciso recordar que ele é real, mas é preciso saber entender bem esta questão. A Igreja aceita que existem dons ou carismas extraordinários, como o dom de fazer milagres ou falar em línguas (Catecismo 2003). Mas o dom de línguas, por razões óbvias, é o mais polêmico.
Os casos de pessoas com dom de línguas não são frequentes; por isso, é preciso discernir cada caso.
Muitos santos receberam este dom, a Igreja o reconhece, mas é preciso ter cautela. São Paulo falava em línguas (cf. 1 Cor 14, 18. 39), bem como Santo Antônio de Pádua, Vicente Ferrer e Francisco Xavier, entre outros.
Veja o que disse o Professor Felipe Aquino sobre o Dom de Línguas:
São Paulo fala desse dom carismático na primeira carta aos Coríntios, cap 12 e 14. O nome técnico é glossolalia. O Apóstolo diz que quem ora em línguas não fala aos homens, mas a Deus, e diz coisas ininteligíveis aos homens. Há poucos relatos desse dom na vida dos santos, especialmente dos santos doutores. Com o advento da Renovação Carismática Católica, em 1967 nos Estados Unidos, a
vivência desse dom se multiplicou entre os carismáticos, especialmente nos grupos de oração. Tem sido fortemente incentivado pelos líderes da RCC; padre Jonas Abib, padre Robert De Grandis, americano, e muitos outros. Nunca vi e nem li um documento da Santa Sé sobre o assunto; também aguardo alguma posição do Vaticano.
Embora o dom seja real e possa existir, no entanto, me parece que está sendo forçado a sua vivência, como que obrigando-se e forçando-se as pessoas a viverem-no. Isto não me parece correto; pois o Catecismo diz que não devemos pedir dons extraordinários a Deus de maneira temerária.
O único documento que fala sobre isto é o Doc 53 da CNBB sobre a RCC, que diz: 63. Orar e falar em línguas: O destinatário da oração em línguas é o próprio Deus, por ser uma atitude da pessoa absorvida em conversa particular com Deus. E o destinatário do falar em línguas é a comunidade.
O apóstolo Paulo ensina: Numa assembléia prefiro dizer cinco palavras com a minha inteligência para instruir também aos outros, a dizer dez mil palavras em línguas (1 Cor 14,19). Como é difícil discernir, na prática, entre inspiração do Espírito Santo e os apelos do animador do grupo reunido, não se incentive a chamada oração em línguas e nunca se fale em línguas sem que haja interprete.
Leia também essa importante formação de aprofundamento de santo sobre o tema:
O Dom de Línguas explicado por São Tomás de Aquino
O QUE É ORAÇÃO EM LÍNGUAS?
Em primeiro lugar, vamos entender o que é a tal oração em línguas. Bem, vou tomar os conceitos dados pelo Pe. Paulo Ricardo em seu curso sobre os dons carismáticos:
# é uma oração feita com palavras que ninguém entende;
# não é um fenômeno milagroso;
# é um dom carismático;
# “é êxtase, mas não êxtase no sentido técnico da palavra: a pessoa não está fora de si (...). Ela pode iniciar ou parar quando ela quiser”;
# é a oração da qual fala São Paulo fala em I Coríntios 14;
# é diferente do fenômeno que o ocorreu com os Apóstolos em Pentecostes, que falaram e todos entenderam.
O QUE DIZ A BÍBLIA?
O Pe. Paulo Ricardo afirma que a oração em línguas é um fenômeno autêntico. Além de I Coríntios 14, ele cita um trecho da Carta de São Paulo aos Romanos:
“...o Espírito vem em auxílio da nossa fraqueza, pois nem sabemos o que nos convém pedir; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis.” - Rom 8,26
Segundo a interpretação dele, os tais “gemidos inefáveis” citados na Bíblia seriam justamente as sílabas desconexas que são proferidas durante a oração em línguas. Hummm... não me convenceu.
Mas partindo do princípio de que a interpretação do Pe. Paulo Ricardo sobre I Coríntios 14 esteja correta, é preciso dizer que boa parte dos Grupos de Oração a realiza em desacordo com as orientações de São Paulo. Afinal, o Apóstolo dos Gentios diz que, numa assembleia, se todos começarem a orar em línguas ao mesmo tempo, vão parecer um bando de doidos, e não vão ajudar ninguém com isso.
Ora, mas em muitos Grupos de Oração, parece que, quanto mais gente fazendo aquele burburinho do Shalaridrim ao mesmo tempo, melhor!
“São Paulo deixa intuir que isso é uma realidade mais privada, mais pessoal. Portanto, é algo um pouco inadequado para assembleias. Vamos ser honestos: eu sei que isso destoa com a prática da Renovação Carismática (...). São Paulo diz claramente que nas assembleias diz que é melhor falar uma língua que se entenda do que ficar falando em línguas. Acho que ninguém pode negar isso. Por isso, o uso do dom de línguas poderia ser um pouco mais contido e um pouco mais restringido.” - Pe. Paulo Ricardo
Por isso, em seu curso, o Pe. Paulo Ricardo aponta para a existência de “exageros de uma certa expressão histérica, de uma histeria coletiva que não é boa, porque quando eu crio uma histeria coletiva, você vê claramente que Deus não está no centro”.
O QUE DIZ A TRADIÇÃO DA IGREJA?
Nos textos da Tradição, até onde sei, não há nenhuma linha sequer fazendo referência à oração em línguas da forma que a RCC ensina. Ao menos não de forma positiva...
Os primeiros Padres criticam pessoas que pronunciam coisas “estranhas” e “sem sentido” como se estivessem num tipo de êxtase. Entre eles, estão Santo Irineu (século II), Eusébio de Cesareia e Orígenes (ambos do século III). Sempre que se referem ao dom de línguas, os Padres da Igreja primitiva e os doutores da Igreja sempre se referem à capacidade da falar idiomas estrangeiros. Nunca falam em nada parecido com a pronúncia de sílabas desconexas.
Se a oração em línguas como é feita hoje era um fenômeno comum nos tempos da Igreja primitiva, porque os primeiros Padres parecem não conhecê-lo? Ou, se o conhecem, o desaprovam, como sendo coisa de farsantes ou hereges?
Pe. Paulo Ricardo afirma que o carisma da oração em línguas está atestando biblicamente e está atestado na vida dos santos. Será? Isso é muito controverso, já que se trata de uma interpretação pessoal da Bíblia, não confirmada pela interpretação de nenhum santo, grande teólogo ou Papa. E, quanto à vida dos santos, Pe. Paulo cita um único caso: o depoimento de um Frei dizendo que viu São Francisco de Assis fazendo barulho como um pássaro. Forçou a barra, hein?
Isso tudo me parece muito frágil para atestar qualquer coisa.
POR QUAL RAZÃO DEUS DARIA ESSE DOM?
Depois de ressaltar que Deus não cabe em nossos conceitos, o Pe. Paulo Ricardo parece relacionar o “dom” da oração em línguas a pessoas mais emocionalistas, menos propensas a abraçar a fé por amor à doutrina. Então, ele sugere que esse “dom” é uma consolação do Espírito Santo para sustentar essas pessoas e no início de sua caminhada.
Então, seria uma coisa boa, porque a pessoa sente uma emoção especial quando ora, e assim seria motivada a perseverar na fé a progredir espiritualmente.
COMO SE FAZ PARA ORAR EM LÍNGUAS?
Para começar a orar em línguas, a pessoa, com a sua própria vontade, abre a boca e começa a falar umas sílabas desconexas. A partir daí, a expectativa é que o Espírito Santo conduza o processo, e inspire a pessoa a emitir os sons.
Enfim, se você acredita na oração em línguas na forma como é pregada pela RCC, ok. Como já dissemos, o Magistério jamais se pronunciou sobre assunto, então cada um pode pensar o que bem entender. E eu penso assim.