Frei Gilson não é o primeiro e certamente não será o último a fazer orações publicamente através dos meios de comunicação; nem mesmo é o primeiro a fazer a tradicional oração católica do Terço durante as madrugadas. Então, por que incomoda tanto? A razão está nos números. O fenômeno, que muitos não têm notado, não é Frei Gilson em si, mas a multidão de pessoas que o tem acompanhado durante suas lives para rezar o Terço.
Tentar explicar este fenômeno apenas recorrendo ao carisma particular de Frei Gilson, ou pior ainda, técnicas de marketing, não é razoável nem realista. Realmente impressiona que mais de 1,3 milhão de pessoas estejam acordando às 4 da manhã e se conectando para rezar o Terço com Frei Gilson. É algo que deve nos surpreender, nos provocar, instigar a nossa razão, se somos minimamente realistas e razoáveis. Porque não é fácil acordar neste horário para rezar.
As pessoas estão com fome e com sede de Deus, estão com fome e com sede das águas vivas, porque elas têm um coração, um desejo infinito, que nada imediatamente experimentável pode preencher
Apesar disso, esse número não é nada absurdo quando consideramos que somos um país continental com mais de 200 milhões de habitantes.
O aspecto sacrificial está presente, tanto no Terço de Frei Gilson. Porém, não vejo críticas e reações no que se refere a sacrifícios para participar desses shows ou do carnaval. Se há gente que faz o sacrifício de pagar centenas, milhares de reais, por um abadá, para um ingresso na Sapucaí, para um show de Anitta, para um show de Taylor Swift ou de outros artistas, o que é simplesmente acordar de madrugada? Por que isso surpreende?
Isso surpreende porque é uma coisa nova, uma novidade, uma coisa recente, algo que irrompeu no cenário brasileiro, um verdadeiro acontecimento. E surpreende mais ainda principalmente porque se trata de pessoas jovens e não tão jovens, de 20, de 30, de 40 anos, pessoas que não são idosas, acordando de madrugada para rezar. É isso que tem surpreendido grande parte da população. O que me provoca é o que estas pessoas estão buscando? Porque elas estão buscando alguma coisa, que sabem que não está no show de Anitta, nem no carnaval de Salvador, nem na Sapucaí e nem no Lollapalooza. Até porque grande parte dessas pessoas já foi a esses lugares e não encontrou o que está buscando.
Outra coisa que impressiona são os ataques virulentos a Frei Gilson por rezar o Terço e suas falas. A agressividade dos ataques mostra que são pessoas que não conhecem o Brasil. Alguns estão atacando Frei Gilson, não por rezar o Terço, mas por defender valores cristãos. Queriam que ele defendesse o quê? Valores hindus, budistas, islâmicos, laicistas, niilistas, ateus?! Ele obviamente vai defender valores católicos, cristãos e que, diga-se de passagem, são valores caros à maioria do povo brasileiro. O povo brasileiro se identifica com os valores, com o discurso de Frei Gilson.
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Porém, o discurso de Frei Gilson vai de encontro ao discurso de certa elite cultural, que se instalou principalmente na Academia e que tem uma visão de mundo totalmente colonialista. Essa elite trata a população como se fosse idiota, burra, alienada, e aí viriam os supostos mestres iluminados explicar como a realidade de fato é para essas pessoas, iluminá-las e tirá-las da caverna (citando aqui o mito da caverna de Platão) na qual elas estariam presas e iriam apresentá-las à realidade. O problema é que isso é discurso, é ideologia, não é a realidade. Ainda existem aqueles que tratam quem não pensa igual a elas como idiota, o que não é verdade.
O ser humano é inteligente. A inteligência é uma característica do ser humano, independente do título acadêmico que tenham ou não, independente da graduação ou não. Até mesmo pessoas analfabetas são inteligentes. Alguns acham que as pessoas que acordam às quatro da manhã para rezar o Terço com o Frei Gilson são idiotas. Se as pessoas que acordam às quatro da manhã para rezar com o Frei Gilson são idiotas, as pessoas que vão ver Anitta são o quê? As pessoas que pagaram mil reais para assistir o show de Taylor Swift com sensação térmica de 60 graus são o quê? As pessoas que pagaram 2, 3, 4, 5 mil reais por abadás de péssima qualidade em Salvador são o quê? As pessoas que pagam, 300, 400, 500, mil reais ou mais na Sapucaí, são o quê?
As pessoas não são idiotas. Elas estão buscando alguma coisa. Estão buscando uma transcendência, algo além dessa nossa realidade imediatamente experimentável. Pessoas que estão presas como numa teia de aranha no materialismo, no imanentismo, não conseguem perceber que existe hoje – e não só no Brasil –, um profundo despertar, um desejo de sentido, de significado, e eu ousaria dizer mais ainda: um desejo de transcendência, um desejo de além da aparência. Só não vê quem não quer.
Existe em nosso país um despertar de um desejo verdadeiro, de transcendência(Céu), é isso o que essas lives de Frei Gilson querem dizer. E a questão é que as pessoas não estão conseguindo responder a este desejo. Enquanto as pessoas querem transcendência, a Campanha da Fraternidade deste ano propõe um tema no mínimo ambíguo, que se aproxima perigosamente de um panteísmo imanentista e naturalista. Só que as pessoas estão cansadas de um imanentismo sufocante, e pior ainda: moralista, como o da Campanha da Fraternidade deste ano. As pessoas estão com fome e com sede de Deus, estão com fome e com sede das águas vivas, porque elas têm um coração, um desejo infinito, que nada imediatamente experimentável pode preencher.