Por que a Igreja tem mais autoridade que a Bíblia?


Amigo, vai aqui um pouco de catequese para que nossas ideias sejam realmente católicas, fieis à constante Tradição Apostólica presente na Igreja de Cristo.

A Bíblia não é um livro único; é uma coleção de 73 escritos, produzidos num arco de cerca de 1.300 anos. Neles, nesses livros, está contida a Palavra de Deus, porque foi o próprio Espírito do Senhor quem, misteriosamente, como só Ele sabe fazer, inspirou tudo quanto os autores sagrados escreveram. É um incrível e admirável mistério: por trás das palavras humanas dos autores daqueles textos está a Palavra única do próprio Deus. As palavras da Sagrada Escritura são tão humanas: há erros gramaticais, erros de história, erros de ciência; há o modo de escrever próprio de cada autor humano e até mesmo seu modo de pensar limitado pelo tempo e a cultura a que pertenceram pode ser descoberto naqueles dizeres tão humanos... Na grande maioria dos casos, nem mesmo os autores sagrados imaginavam que o que estavam escrevendo eram textos inspirados pelo Senhor...

Foi o povo de Israel no tempo da Antiga Aliança e, depois, nestes tempos da Nova e eterna Aliança, foi a Igreja católica, inspirada pelo Espírito do Cristo Senhor, que permanece nela e a conduz sempre mais à verdade plena, quem foi discernindo quais escritos eram inspirados por Deus e quais não eram... Este trabalho de discernimento de quais eram os livros inspirados por Deus, dentre os tantos que os cristãos escreveram no período apostólico, foi feito a partir do século II e foi autoritativamente determinado no Concílio de Trento.


Só a Igreja tem a autoridade de fazer esse discernimento; e ela o fez, com a autoridade que o Senhor lhe concedeu e a assistência divina do Espírito Santo que Cristo Jesus lhe garantiu. De modo geral, seguiram-se os seguintes critérios: eram inspirados pelo Espírito de Deus (1) os escritos tidos como ligados diretamente à Tradição Apostólica e (2) os escritos proclamados na Liturgia das grandes Igrejas da Antiguidade, sobretudo Roma, Alexandria e Antioquia. Foi assim que a santa Mãe católica, com o instinto de fé que o Cristo Senhor lhe concede na força do Santo Espírito, fez este discernimento tanto dos livros do Antigo quanto do Novo Testamento. Por isso mesmo, alguns livros do Antigo Testamento que os judeus não consideram inspirados por Deus - e isto por motivo nacionalista e por polêmica com os cristãos -, a Igreja desde cedo os considerou como sendo Palavra de Deus.


Mas, que se esteja bem atento: Deus não Se revelou primeiramente na Bíblia! Revelou-Se na história do povo de Israel e, na plenitude dos tempos, revelou-Se de modo pleno na Pessoa de Jesus Cristo, o próprio Filho eterno feito carne, feito homem. A Palavra de Deus por excelência não é a Bíblia; é Jesus Cristo, o Verbo, a Palavra que Se fez carne e habitou entre nós!


A Bíblia nos traz o testemunho dessa revelação: ela pode ser chamada Palavra de Deus porque nos traz a Palavra que é Jesus; de modo que nas palavras da Bíblia, encontramos a Palavra de Deus e esta Palavra é o nosso bendito Salvador, Jesus Cristo, o Verbo eterno feito carne!


Do Gênesis ao Apocalipse, a mensagem última das Escrituras Sagradas é sempre Jesus: Jesus prometido, preparado e anunciado no Antigo Testamento; Jesus aparecido, entregue, contemplado, aprofundado, adorado e proclamado no Novo Testamento. São João da Cruz, num de seus escritos, assim imagina o Pai nos falando: “Já te disse todas as coisas em Minha Palavra; põe os olhos unicamente Nele; porque Nele tenho dito e revelado tudo, e Nele encontrarás ainda mais do que desejas saber. Este é o Meu Filho amado: escutai-O”. Assim sendo, não cremos na Bíblia; cremos em Jesus e só a Ele adoramos! Temos as Escrituras por revelação do Senhor precisamente por causa de Jesus, porque Ele disse que elas dão testemunho Dele!


Não amamos Jesus por causa da Bíblia; amamos a Bíblia por causa de Jesus! É Ele o centro, é Ele a Palavra única do Pai! Quando escutamos, quando lemos as Escrituras e nelas meditamos, em última análise é Jesus mesmo que procuramos, é a Ele que encontramos, com Sua salvação, Sua Vida, Sua plenitude, aquela da qual recebemos graça sobre graça!


Por isso, no caminho de Emaús, em cada Missa e até mesmo em cada vez que entramos em contado com a Sagrada Escritura, Jesus mesmo nos fala Dele e nos revela no texto sagrado tudo quanto diz respeito a Ele e ao plano de salvação do Pai que Ele, o Filho amado, veio realizar.
Assim é que a Igreja, escutando as Escrituras, escuta o próprio Deus que nos fala em Jesus e tudo quanto ali está escrito torna-se uma Palavra viva para nós, tudo quanto Deus revelou na história do Seu povo e maximamente em Jesus Cristo, torna-se presente na vida da Igreja e na nossa, que somos membros do Seu Corpo.


Pensando bem, é impressionante pensar que Deus nos fala: fala à Sua Igreja, fala a cada um de nós, na Sua Palavra que é Jesus! Mas, a Escritura somente pode ser compreendida retamente quando ecolhida, lida, ouvida na Tradição Apostólica, conservada íntegra na Igreja católica pela ação do Santo Espírito. O próprio Novo Testamento todo não é senão a Tradição Apostólica colocada por escrito e nela interpretada continuamente pela Igreja santa e apostólica e católica!


Alguns têm a ilusão de interpretar as Escrituras fora de uma tradição! É uma triste ilusão, uma estreita cegueira, uma ingenuidade tremenda! Os textos sagrados sempre são interpretados por nós a partir de ideias e valores que já trazemos, nossos e do grupo no qual estado inseridos! A questão é que quem lê e escuta e guarda a Palavra Santa na comunhão da Igreja una, santa, católica e apostólica, guarda as Escrituras no seu autêntico sentido, garantido pelo Espírito de Cristo, que não permite que a Igreja erre na sua fé. Quem foge dessa Tradição Apostólica, lê e interpreta a Palavra a partir de tradições humanas, de mestres que inventaram escolas de interpretação de sua própria cabeça e, portanto, fora do seu ambiente natural, que é a Igreja. Por exemplo: a percepção torta de que só a fé salva, de que as obras não contam para a salvação, a guarda do sábado, a proibição de transfusão de sangue, o litígio ultrapassado por causa de imagens, a grave negação do Batismo de crianças... Tudo isto deriva de interpretações que têm fundamento não no texto bíblico, mas em tradições humanas já determinadas de como o texto deve ser lido! Tanto são tradições que, nesses grupos religiosos, se alguém interpretar o texto de modo diverso do que o grupo determina, é obrigado a deixar o grupo, porque não está interpretando a Escritura segundo a TRADIÇÃO daquele grupo!


Mais uma coisa: a Escritura Sagrada revela o Rosto do Senhor e desvela Seu amor divino a quem a escuta com um coração fiel e humilde. O curioso, o soberbo, o descuidado, nada encontrará a não ser uma coleção de textos antigos, do passado... No entanto, quando escutamos e lemos essas Santas Palavras - que trazem a Palavra que é Jesus - em docilidade ao Santo Espírito e em comunhão com a santa Igreja, então, a Escritura torna-se doce como o mel, luminosa como o sol do meio-dia, profunda como o céu e cortante como espada de dois gumes.


Mas, atenção: a Escritura não foi dada a cada pessoa de modo privado, individual... Como nela mesma está escrito: ela não se presta a interpretações privadas! A Sagrada Escritura foi dada à Igreja e somente é Palavra viva na vida da Igreja Povo de Deus! Ouvir ou ler a Escritura fora da mente e do coração da Igreja é ser condenado a não colher seu sentido unitário e profundo.
Ela é como um álbum e família, o álbum da nossa família, pois os textos foram escritos por nossos pais na fé tantos os do Antigo Povo quanto os primeiros membros da santa Igreja. Assim, alguém estranho à família pode pegar as mesmas fotos, olhá-las, saber os lugares e as situações documentados nas fotografias... Mas, somente quem é da família sentirá o coração vibrar, somente quem vivenciou aquelas histórias, com aquelas tonalidades e acentuações pode realmente compreender o sentido das fotos...


É assim com a Bíblia: nascida na Igreja, confiada à Igreja para guardá-la, ouvi-la, meditá-la, amá-la, celebrá-la na Eucaristia (Palavra feita carne na carne de Cristo) e levá-la ao mundo como anúncio e testemunho de Jesus Salvador, somente na Igreja pode ser colhida em todo o seu sentido e verdade. Fora da Igreja, a Escritura é palavra feita pedaços, às vezes, feita confusão, é texto submetido ao capricho de mil pretextos, que o desvirtua e faz esconder mais que revelar o verdadeiro rosto de Jesus.

A Igreja que nasceu antes da Bíblia


Durante 1500 anos a Igreja Católica conservou as Sagradas Escrituras e a transmitiu a seu povo através das Missas “Recebereis uma força, a força do Espírito Santo que virá sobre vós; e sereis então minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, até as extremidades da terra” (At 1,8).

Diante desta passagem podemos nos perguntar: “– Jesus deixou algo escrito?” Ele disse: “sobre a Bíblia edificareis a minha Igreja”? Não! Cristo fundou a Igreja sobre a vida e o testemunho dos apóstolos. Por esse motivo, não podemos afirmar que somos uma “religião do livro” – apesar de alguns estudiosos das religiões nos considerarem assim. Somos uma “religião do testemunho”.
Os livros contidos na Bíblia servem para nos relatar fatos e verdades de fé. “Diante daquilo que acabei de ler, como deve ser a minha atitude para com Deus e os meus irmãos?”. É para que façamos este tipo de confronto conosco mesmo que as Sagradas Escrituras existem. Servem para mudar a nossa vida (ação transformadora). Mas nem sempre estes textos sagrados existiram. Vejamos como se formou este conjunto de textos sagrados, para que compreendamos a essência da Palavra de Deus.


Comecemos pelo período em que alguns livros foram escritos. É importante saber que o escrito mais antigo do Novo Testamento é 1Tessalonicenses – redigido por volta do ano 51 d.C., quando Paulo se encontrava na Acaia (cf. At 18,12). É importante começarmos por este exemplo apenas para demonstrar que a Bíblia não segue uma ordem cronológica; o primeiro livro do Novo Testamento não foi o Evangelho de Mateus. Além disso, Paulo morreu e provavelmente não viu sequer um Evangelho escrito. Os fatos sobre a vida de Jesus que este incansável apóstolo tanto pregava foram-lhe relatados de maneira oral.


A Igreja, portanto, não nasceu da Bíblia, mas o contrário. Ela não precisou esperar vinte anos após a morte de Jesus para que começasse a nascer (com a carta de São Paulo citada acima). Ela já estava aí. E, além disso, havia entre os cristãos um código de conduta, uma certa tradição, que consistia em dizer com fidelidade quem era Jesus Cristo.


O último livro do Novo Testamento a ser escrito foi o Apocalipse, escrito por São João por volta do ano 100 d.C., quando este se encontrava exilado na ilha de Patmos. Nesta altura da História ainda não havia Bíblia, apesar de todos os seus livros já estarem escritos. Isto porque, quando São Paulo, São João, São Judas Tadeu escreveram suas cartas eles não sabiam que estavam escrevendo partes do Novo Testamento. Os cristãos ainda precisavam escolher quais seriam os escritos que iriam compor as Escrituras Sagradas. A decisão do Cânone Bíblico, isto é, dos livros que iriam compor as Sagradas Escrituras demorou cerca de 200 anos. Um tempo relativamente longo. Mas a Igreja não resolveu cruzar os braços e esperar esse tempo todo para então afirmar: “Pronto! Agora somos Igreja”. Ela já era antes das Escrituras existirem.


Por volta dos anos 70 d.C. surgem os evangelhos sinóticos e, aos 100 d.C., o evangelho de São João. Não somos nem capazes, muitas vezes, de lembrarmos o que comemos ontem no almoço, como é então que 70, 100 anos depois as pessoas ainda lembravam de detalhes da fala e da vida de Jesus Cristo? Somente por obra do Espírito Santo. O que nos faz crer que a Bíblia foi inspirada por Deus.
Além de toda essa dificuldade ainda havia hereges que queriam reduzir o Novo Testamento a pouquíssimos livros, já outros queriam fazer um apanhado com mais de 40 livros – como era o caso dos gnósticos. Coube, então, aos bispos da Santa Igreja o papel de discernir quais escritos falavam de Cristo com autenticidade e quais eram apócrifos. Portanto, o Espírito deveria inspirar quem escrevia e quem lia. Cada novo escrito que chegava ao conhecimento dos bispos era como uma maçaneta nova, caso o prelado tivesse a chave, a autenticidade da porta seria provada.
Passaram-se muitos anos e já havia Bíblia em muitos lugares. Era por volta do ano de 1500. Neste período nasceu a Reforma Protestante. Para Martinho Lutero, foi fácil afirmar que sola scriptura (somente a Escritura) é fundamento para a verdade de fé, quando vivia na época da imprensa e podia fazer tiragem de cópias e distribuir Bíblia a quem quisesse.


Durante 1500 anos a Igreja Católica conservou as Sagradas Escrituras e a transmitiu a seu povo através das Missas, isto porque nem todos tinham condições de ter a Bíblia em casa. Esta era escrita em pergaminho (feito com pele de carneiro), com uma tinta especial e através de um monge que escrevia à mão a Bíblia inteirinha. Agora, imagine o preço de um produto como esse! Era caríssimo! Por isso, só era reservada a mosteiros, catedrais e bibliotecas ricas.
Mas a Santa Igreja, em sua grande sabedoria, jamais deixou de transmitir Jesus Cristo, a Palavra de Deus, o Verbo Encarnado às pessoas. Mesmo quando a Bíblia ainda nem estava escrita. Sempre foi possível falar de Jesus. Daquele homem que tocou a vida de muitas pessoas ao longo de dois mil anos.


A Palavra de Deus não é a Bíblia, é Jesus, vivo e ressuscitado. Não é um livro onde aprendemos uma doutrina. Nem mesmo um livrinho de histórias. Quando lemos sobre Jesus na Celebração Eucarística trazemos Cristo à assembleia e não apenas um saber milenar. Da mesma maneira que ele vem em forma de pão a nós, também vem em forma de palavra.

Experimente: tome a Escritura (pode ser a leitura da Missa de cada dia), escute-a com o coração, medite-a com amor e procure escutar o que o Senhor diz à Igreja e a você. Sua vida encher-se-á de nova luz – aquela luz que é o próprio Cristo, Palavra viva e vivificante do Pai!

Fr. Thiago Pereira, SCJ.

Dom Henrique Soares da Costa

 

 

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