A partir destas palavras a Salvação entrou no mundo: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). Maria mostrou-se uma mulher de fé e obediente, mas não só naquele momento: “Aquele ‘sim’ foi o primeiro passo de uma longa lista de obediências – longa lista de obediências! – que acompanharão todo o seu itinerário de mãe” (Bento XVI, A infância de Jesus).
Ao se colocar completamente disponível para que a vontade de Deus se realizasse em sua vida, Maria também se fez bem pequena: “Eis aqui a serva do Senhor”. No texto original, escrito em grego, a palavra não é serva, mas sim “escrava” (doule kyriou).
Note bem esse comportamento de Nossa Senhora, e compare com a sensibilidade excessiva de muitos devotos, que se recusam a se apresentarem como “coisa” ao cantarem ou recitarem a oração de consagração à Maria. A palavra lhes parece agressiva, algo que os desvaloriza. Por isso trocam “coisa” por “filho”.
Assim é o verso dessa antiga e tradicional oração: “...incomparável Mãe, guardai-me e defendei-me como COISA e propriedade vossa”.
Mas muita gente insiste em ignorar o texto original, e diz assim: “...incomparável Mãe, guardai-me e defendei-me como FILHO e propriedade vossa”.
Maria não hesitou em se oferecer como escrava para Deus, e foi elevada a Rainha dos Céus e da Terra. Se a Virgem não se sentiu constrangida em se rebaixar diante do Senhor, porque nós, muitíssimo inferiores a ela, relutamos em fazer o mesmo?
É preciso meditar sobre as palavras do Mestre: “Aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será exaltado” (Mt 23,12).
Imitemos a simplicidade da Mãe de Jesus, e também o exemplo filho pródigo da parábola, que não teve medo de se humilhar diante do Pai: "já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados” (Lc 15,19). E então o Pai o elevou! Não tema se colocar como “coisa” aos pés de tão boa Senhora, para que então ela possa te honrar como um filho.
O Pai Nosso deixa óbvio que somos filhos de Deus. Acontece que nessa oração de consagração a Maria, em específico, por postura de humildade, se dá ênfase na condição de "propriedade" de Deus, e não de filho.
“Porque tu és pó e ao pó hás de voltar.” ( Gn 3,19) o pó é uma coisa, logo nós somos uma "coisa". essa coisa pode se referir ao nosso nada, uma coisa é algo sem muita importancia, nós, comparado a ela, temos um caminho infinito, entre um cachorro e um humano, o cachorro é uma coisa
De fato, podemos sempre nos considerar filhos de Nossa Senhora. O problema aqui é que a consagração pressupõe uma entrega total, para ser usado como nossa senhora desejar.
Rezar "filho" é errado nesse caso pois um filho pode contradizer a mãe, enquanto um objeto se deixa ser usado cegamente. Nós rezamos "como coisa" não pelo que Nossa Senhora pensa de nós, mas sim pelo que nós queremos ser para ela, objetos que podem ser usados, e que não questionarão, pois sabem que o que ela faz é bom, por ela ser totalmente obediente a Deus.
A própria oração não faz o menor sentido se dita "como filho e propriedade vossa", pois filho não é propriedade, enquanto coisa (objeto) é. Se mudarmos este trecho, a própria consagração não faz o menor sentido, e infelizmente é isso que muitos acham que a consagração é, entregar-me como filho para ser cuidado, ao invés de entregar-me como servo para ser usado.