O mal entendido a respeito da palavra “irmãos”
Em algumas passagens das Sagradas Escrituras aparecem as palavras: “irmãos de Jesus”, e isso tem gerado a interpretação de que a Santíssima Virgem Maria teve outros filhos. Para quem tem somente a Bíblia, parece evidente que Nossa Senhora teve outros filhos além do Filho de Deus, portanto, Jesus Cristo teve irmãos e irmãs (cf. Mt 13, 55-56);
Depois de analisar a questão dos “irmãos” de Jesus do ponto de vista da Revelação Divina e do Magistério da Igreja, vimos que para nós católicos não há o que discutir. Cremos que a Virgem Maria foi Mãe de Jesus Cristo e permaneceu virgem. Consequentemente, não poderia ser a mãe dos supostos irmãos do Senhor. Mas se Jesus não teve irmãos de sangue, por que Tiago, José, Simão e Judas são chamados de seus irmãos? A resposta é muitos mais simples do que se imagina.
Em hebraico, língua do povo judeu, a palavra irmão: א ח, que transliterada se lê: ach, é usada para vários tipos de parentesco. Pois, na língua hebraica, não há palavras específicas para primo, prima e outros graus de parentesco. Quando a Bíblia foi traduzida para o grego, foi usada a palavra “adelfos”, que significa literalmente irmão, e não “anepsios”, que significa primo. Posteriormente, a Bíblia foi traduzida para o latim “fratres”, que também significa irmão. As traduções da Bíblia em grego e em latim foram feitas dessa forma para não perder a originalidade, e eram naturalmente compreendidas pelas pessoas, pois conheciam a fé católica e a cultura judaica.
Nós temos a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja, que são os fundamentos necessários para entender as verdades da fé católica. A partir desses fundamentos, vejamos se é verdade que a Virgem Maria teve outros filhos além do Verbo de Deus encarnado.
O que as Sagradas Escrituras dizem sobre os irmãos de Jesus?
Na Bíblia, há varias passagens nas quais são mencionados os “irmãos de Jesus”. Dentre essas, tomaremos a seguinte passagem do Evangelho segundo São Mateus: “Não é este o filho do carpinteiro? Não é Maria sua mãe? Não são seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas?” (Mt 13, 55). Continuando nosso estudo, vemos que entre os apóstolos há dois com o nome de Tiago: “Eis os nomes dos doze apóstolos: o primeiro, Simão, chamado Pedro; depois André, seu irmão. Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão. Filipe e Bartolomeu. Tomé e Mateus, o publicano. Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu. Simão, o cananeu, e Judas Iscariotes, que foi o traidor” (Mt 10,2-4).
Mateus ainda nos dá a conhecer que entre as mulheres que seguiam Jesus está a mãe de um desses e de José: “Entre elas se achavam Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu” (Mt 27, 56). Como sabemos que Tiago, filho de Zebedeu, é irmão de sangue de João, então, Tiago, filho de Alfeu, é irmão de José. Até aqui, a polêmica permanece, pois não sabemos que Maria é esta que é mãe de Tiago e de José. No entanto, há uma passagem que esclarece a questão.
Com base nos textos acima, verificamos que Alfeu, que também era chamado Cléofas, era o pai de Tiago e de José, os mesmos que são chamados “irmãos de Jesus”. A mãe deles chamava-se Maria, um nome bastante comum naquele tempo. A dificuldade em saber que é esta Maria é superada em uma passagem do Evangelho segundo São João, na qual esta Maria está ao lado da Virgem Maria, Mãe de Jesus Cristo, na hora da crucifixão: “Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena” (Jo 19,25).
Dessa forma, vemos que Maria, mãe de Tiago e de José, era irmã de Nossa Senhora, e que esses supostos irmãos de Jesus são, na verdade, seus primos. Para os incrédulos, talvez essa explicação não os tenha convencido, e perguntem sobre os outros dois irmãos: Simão e Judas. Mas não perderemos tempo em mais explicações, pois, para quem não tem fé católica, provavelmente não servirão os nossos argumentos.
O que a Tradição e o Magistério da Igreja dizem sobre os irmãos de Jesus?
A polêmica a respeito da afirmação de que a Santíssima Virgem Maria teve outros filhos, além de seu Filho Jesus Cristo, não é nova. Pelo contrário, no século IV, São Jerônimo já combatia aqueles que usavam a passagem de Mateus e outras para sustentar que Nossa Senhora teve outros filhos: “Não é este o filho do carpinteiro? Não é Maria sua mãe? Não são seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas?” (Mt 13, 55).
A respeito dessa passagem, Jerônimo ensina que são chamados de irmãos de Jesus os filhos de sua tia materna, Maria de Cléofas, mulher de Alfeu e mãe de São Tiago e de José1. A Tradição da Igreja – desde os apóstolos até os Santos Padres – e posteriormente os Santos Doutores da Igreja, afirmam que a Virgem Maria não teve outros filhos, e que ela permaneceu Virgem antes, durante e depois do parto do Filho de Deus.
O Magistério da Igreja, em consonância com a Tradição da Igreja e com as Sagradas Escrituras, afirmou como dogma de fé a virgindade perpétua de Nossa Senhora, ainda no tempo dos Santos Padres. A virgindade perpétua de Maria Santíssima foi proclamada em 649, no Concílio de Latrão: Se alguém, segundo os Santos Padres, não confessa que própria e verdadeiramente é Mãe de Deus a santa e sempre Virgem e Imaculada Maria, já que concebeu nos últimos tempos sem sêmen, do Espírito Santo, o próprio Deus-Verbo (…), e que deu à luz sem corrupção, permanecendo a sua virgindade indissolúvel mesmo depois do parto, seja anátema2.
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Tendo em vista que a Igreja Católica proclamou como dogma de fé a virgindade perpétua de Nossa Senhora, é necessário que nós católicos creiamos nessa verdade. Por isso, se não cremos nela, devemos fazer um esforço para crer, para que possamos entender, como ensinava Santo Agostinho: “Não queirais entender para crer, crê para que possas entender. Se não crês, não entenderás”3.
Assim, procuremos conhecer a fé católica, a Tradição e o Magistério da Igreja, e pelo menos um pouco da cultura judaica, antes de ler as Sagradas Escrituras. Recordemos sempre que o Sagrado Magistério nos ensina que a Bíblia só é Palavra de Deus se unida à Tradição: “A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só depósito sagrado da Palavra de Deus”4. Dessa forma, a Bíblia não será para nós “pedra de tropeço” (1 Pd 2, 7) e, certamente, evitaremos interpretações contrárias à fé católica.
Referências:
1 SÃO JERÔNIMO. Contra Helvidium, 14. In SANTO TOMÁS DE AQUINIO. Catena Aurea.
2 DS 255, 649.
3 SANTO AGOSTINHO. Serm. 118, 1.
4 CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Dei Verbum, 10.